15/06/2020

Fazer da Polícia paulista um exemplo para o mundo depende apenas da vontade do Governador

Por Coronel Elias Miler da Silva, presidente da DEFENDA PM - Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar


A DEFENDA PM, sempre atenta à defesa institucional, principalmente nos momentos em que a imagem da Polícia Militar é atacada, não poderia deixar de se manifestar frente às notícias veiculadas nos últimos dias mostrando atos ilegais de alguns policiais militares no exercício de suas funções.

Estes atos ilegais de forma alguma maculam as ações positivas ¬da Polícia Militar que ocorrem diariamente. Para ficar em um exemplo, registrem-se as mais de 7 milhões de ligações anuais (quase 2.500 por hora) ao telefone de emergência 190: elas resultam em mais de 50.000 prisões em flagrante de infratores da lei, afora os quase 60.000 resgates! Tais números demonstram que as ações não-conformes de policiais militares são exatamente o que são: exceção à regra de excelentes serviços prestados à população.

Nos casos deste final de semana (e em todos os outros ocorridos) a Polícia Militar adotou enérgicas providências para apuração, no campo penal militar e no campo administrativo, o que é um alento para que esses fatos extremamente reprováveis sirvam de exemplo para nunca mais ocorrerem. A Polícia Militar é uma das poucas instituições públicas que depuram seus quadros, quer seja responsabilizando no campo penal militar ou no campo administrativo disciplinar.


Uma Polícia de Estado

Para aperfeiçoar o sistema de modo que fatos como esses não venham a ocorrer, a DEFENDA PM aponta alguns aspectos que precisam ser encarados pelo Governo do Estado no tratamento dessas graves distorções. De antemão, é preciso deixar claro que tudo passa pela escolha de como conduzir a segurança pública do Estado, ou seja, por fazer da política de segurança pública algo técnico em busca da eficiência do modelo policial, não como política de promoção pessoal de governantes.

Hoje, esta política é manejada por um General que passou a vida inteira nos quartéis do Exército; portanto, sem experiência no âmbito da segurança pública. O Exército tem outra missão constitucional, está distante dos problemas e da realidade da segurança dos estados e das cidades. Seria o mesmo que nomear Ministro da Defesa um Coronel de Polícia Militar. A crítica seria igual, pelo não funcionamento da pasta. Esta foi uma das promessas de campanha que o governador não cumpriu, no sentido de colocar à frente da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo um policial.

Em vários Estados do Brasil, os governadores alçaram os comandantes gerais de Polícia Militar e os delegados gerais de Polícia Civil ao status de Secretários – tamanha a importância estratégica de tais cargos à garantia da governabilidade do Estado. Em São Paulo, num formato esdrúxulo de administrar, o Governo do Estado montou as bases de uma Secretaria da Segurança Pública nunca vistas em qualquer outro Estado do Brasil.

Com um secretário da Segurança Pública sem a experiência que o cargo requer, o governador teve de inovar na sua gestão e criou dois cargos de “secretários executivos” para tratar tecnicamente de suas áreas: Polícia Militar e Polícia Civil. Essa medida, adotada pelo atual governo, distancia ainda mais a natural e verdadeira liderança do Comandante-geral da Polícia Militar das interações políticas necessárias junto ao governador do Estado de São Paulo. Perde o governador, que não consegue conhecer mais proximamente as necessidades das polícias paulistas; perdem as polícias, que têm dificuldades de discutir pautas que diretamente lhes interessam, por haver uma série de outras instâncias políticas com interesses e visões particulares que afastam o progresso das Instituições e a melhora da condição de seus integrantes.

O fim desse distanciamento é uma única e clara política de resultados, com ênfase na repressão, ditada diretamente pelo governador e não discutida de modo próximo, democrático e técnico com as polícias, em especial a Polícia Militar, que detém a maior parte dos atendimentos ao cidadão. Põem-se, assim, os ingredientes perfeitos para o recrudescimento das ações de polícia.

Não é à toa que os índices de letalidade policial estão aumentando: o governador tem dado ênfase a esse tipo de ação, com a formação dos BAEP, batalhões no estilo ROTA, como gosta de dizer, em detrimento de ações de polícia preventiva, como a polícia comunitária. Esta é uma filosofia que a polícia de São Paulo “exporta” para países da América Central sob o patrocínio do Japão mas não consegue fazer acontecer aqui em São Paulo. A criação de BAEP no modelo desenvolvido pelo Estado foi gestada no gabinete de campanha do então candidato ao governo sem ser discutida franca e democraticamente com a Polícia Militar.


Melhor prestação de serviços à população


Outro tema a ser colocado à mesa é a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Polícia Militar. Por mais afastado que possa parecer, o TCO afeta o desempenho e, portanto, o comportamento do policial militar, por três fatores distintos: o tempo gasto no registro de uma simples ocorrência, que pode facilmente ultrapassar quatro horas de espera numa delegacia; a diminuição da autoridade legal do policial militar; e, por último, a crença de que, por vezes, é melhor um “corretivo” no infrator de um crime de menor gravidade, no próprio local da infração, do que acionar a máquina burocrática para apresentá-lo à outra Polícia, a Civil.

Lavrado no local dos fatos, o TCO permite que a PM atenda melhor o cidadão e reduza custos, liberando tempo às equipes da Polícia Civil para seu trabalho técnico voltado à investigação. O TCO valoriza o trabalho da PC e da PM, resgatando suas autoridades no sentido de se sentirem responsáveis pela minimização de conflitos; diminui o sofrimento das vítimas e libera mais rapidamente o policial para voltar à sua atividade de proteção das pessoas.

De extrema importância, o TCO atenua o estresse e impede o duplo sofrimento do cidadão que, igualmente, não precisa passar mais horas numa delegacia de polícia. Sem falar na diminuição dos casos de abuso de autoridade no local dos fatos, pela absoluta certeza por parte do PM de que o infrator irá responder pela infração, haja vista o TCO minimizar a subnotificação dos casos ao Sistema de Justiça Criminal. A implantação imediata do TCO, frisamos, depende única e exclusivamente da vontade do governador!


Melhor preparação e mais valorização do PM

Outro ponto, que parte do portfólio de propostas da DEFENDA PM para a segurança pública, ignorado pela pasta, que parece ser avessa ao ambiente democrático no qual se insere a atuação da DEFENDA PM, é estrutural e pode fazer acontecer uma mudança a curto prazo na cultura institucional. É a adoção da exigência do curso superior para ingresso na carreira policial. São Paulo faz parte do pequeno rol de estados que ainda não adotou essa condição, e não foi por falta de tentativas. Por ingerências políticas de antigos secretários da Segurança e até por posições unicamente pessoais de antigos comandantes gerais, essa medida foi expurgada dos projetos encaminhados ao poder executivo.

Por fim, e não menos importante, muito pelo contrário, temos o salário. Como explicar o fato de a Polícia Militar do Estado de São Paulo, uma das mais mal pagas do Brasil, produzir os melhores resultados? A resposta é simples: explorando ao máximo a mão de obra disponível! Sim, e usamos esse termo execrado pelos profissionais de Recursos Humanos porque é exatamente assim que somos tratados: mão de obra!

Com baixos salários, os policiais são obrigados a complementar a renda, e fazem isso trabalhando para o próprio Estado, em suas horas de folga. Essas horas extras não são realizadas em atividades de baixo estresse, mas nas mesmas atividades desempenhadas no dia a dia. Resultado: fadiga psicofísica que leva, dentre outras coisas, a uma taxa de suicídio quase cinco vezes maior que a da população em geral.

Não é exagero algum dizer que cenas como as que vimos no final de semana estão relacionadas ao estresse provocado por horas de trabalho excessivas. Em vez de 48 horas semanais, um policial militar chega a trabalhar 72 horas semanais, oficialmente, para o Estado. E, se estiver apresentando uma ocorrência desnecessária no final do turno, como visto acima quando tratamos do TCO, pode-se acrescer mais algumas horas nesse cômputo.

Quem sabe agora, com mais essa exposição de casos graves da conduta equivocada de uma ínfima parcela do excelente contingente que presta serviços ao povo paulista, entre em pauta mais uma vez não só a solução para o problema agudo – essa muito bem aplicada pela própria Instituição – mas também uma solução sólida e perene que afaste de uma vez por todas a vergonha que todos nós, policiais militares, brasileiros de São Paulo, sentimos ao ver cenas como essas.

A DEFENDA PM está à disposição do governador para pensar, explicar, discutir e ajudar a implementar uma mudança que se faz urgente e necessária.


Coronel Elias Miler da Silva é presidente da Associação de Oficiais
da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Defenda-PM)

 


Legenda: Coronel Elias Miler da Silva
Créditos: Divulgação